Alaíde Costa festeja 90 anos em cena, com coerência e integridade artística, e ainda em tempo de reparação histórica
08/12/2025
(Foto: Reprodução) Alaíde Costa festeja os 90 anos no palco do Teatro Rival Petrobras, em show apresentado no Rio de Janeiro (RJ) na noite de 5 de dezembro
Rodrigo Goffredo
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Tudo que o tempo me deixou
Artista: Alaíde Costa com o pianista Gilson Peranzzetta
Data e local: 5 de dezembro de 2025 no Teatro Rival Petrobras (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Alaíde Costa chega hoje aos 90 anos em cena e em tempo de reparação histórica iniciada há três anos a partir da edição do álbum O que meus calos dizem sobre mim (2022). Mesmo assim, ainda paira no ar a sensação de que o Brasil deve muito a essa cantora carioca nascida em 8 de dezembro de 1935 com o nome de Alaíde Costa Silveira Mondin Gomide.
Do contrário, os ingressos logo teriam se esgotado para o show com que a artista celebrou os 90 anos na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), reapresentando no Teatro Rival Petrobras na noite de sexta-feira, 5 de dezembro, o show Tudo que o tempo me deixou com o pianista Gilson Peranzzetta.
Do contrário, a imprensa musical estaria saudando a cantora com mais ênfase pelos 90 anos e pelas sete décadas de disco. Sim, Alaíde Costa iniciou a carreira fonográfica com single editado em 1956. Em 2026, ano em que a cantora gravará o terceiro disco da trilogia idealizada por Marcus Preto com Emicida, a data será redonda.
Para além das efemérides, o que vale comemorar é a coerência e a integridade de Alaíde Costa na condução da carreira. De 1956 a 2025, o canto da artista permaneceu imaculado, imune aos vícios do mercado, às músicas de baixo quilate melódico, harmônico e poético. Alaíde Costa não facilita e é isso que a torna uma artista ainda mais fascinante.
No show com Gilson Peranzzetta, a cantora rebobinou o repertório do álbum Tudo que o tempo me deixou, lançado em 2005 pela gravadora Lua Music, com o requinte de se apresentar com o mesmo visual da capa do disco. Longe de abarcar sucessos, esse repertório é povoado por músicas requintadas de melodias geralmente tristes e de difícil absorção popular, casos de Ana Luiza (Antonio Carlos Jobim, 1973), Estranha saudade (Cristovão Bastos e Hermínio Bello de Carvalho, 1995) e Meu sonho (2025), parceria de Alaíde com o igualmente íntegro Johnny Alf (1929 – 2010).
Essa é Alaíde Costa, cantora para poucos que, desde os anos 2000, conta com o suporte do produtor e empresário Thiago Marques Luiz para seguir em cena soltando a voz para esse público pequeno e antenado que a acolhe e a aplaude nos shows.
Na plateia do Teatro Rival, esse público se deleitou com interpretações lapidares, feitas com alma e voz, de Minha Nossa Senhora (Fátima Guedes, 1995), Solidão (Dolores Duran, 1958) e Voz de mulher (Sueli Costa e Abel Silva, 1988) – pontos altos de apresentação marcada pelo entra-e-sai de convidados.
Alaíde protagonizou duetos com gente que comunga dos mesmo ideais artísticos e que paga preço por isso. Gente como o cantor Vidal Assis – com quem a cantora interpretou Eu te amo (Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque, 1980) com certa insegurança lendo a letra da canção – e o pianista Antonio Adolfo, com quem Alaíde refez o dueto no reflexivo e magoado samba-canção Errei, sim (Ataulfo Alves), feat eternizado no álbum Uma estrela para Dalva (2025), lançado em maio.
Os encontros com as cantoras Áurea Martins e Eliana Pittman em Eu e a brisa (Johnny Alf, 1967) e no samba Me deixa em paz (Monsueto Menezes e Aírton Amorim, 1952), respectivamente, ratificaram a ideologia musical de Alaíde Costa, cujos calos adquiridos na longa estrada dizem muito sobre a artista.
Chegar aos 90 anos em cena, com total integridade artística, é algo raro para uma cantora, no Brasil e em qualquer país do mundo. Alaíde Costa cruza hoje essa fronteira com dignidade que merece ser aplaudida de pé.
Alaide Costa refaz o show 'Tudo que o tempo me deixou' com o pianista Gilson Peranzzetta no Teatro Rival Petrobras
Rodrigo Goffredo